Luis Felipe Miguel: “O processo contra Lula representa um passo essencial no projeto político que deflagrou o golpe de 2016. Trata-se de proteger do risco de revogação as medidas implementadas desde a deposição de Dilma Rousseff. Em si mesmo, esse processo simboliza também a disposição do grupo no governo de ultrapassar qualquer limite para se manter no poder. O que se condenou em Curitiba e Porto Alegre não foi o ex-presidente e seu direito de disputar as eleições. Condenou-se um pedaço do que restava do império da lei e da democracia formal no Brasil. Depois do julgamento de Lula, ficamos mais próximos da instauração de uma ordem abertamente autoritária.
Ao dobrar as apostas contra o ex-presidente, os golpistas também anunciaram sua disposição de queimar as pontes para uma eventual repactuação da democracia no país. Lula, por vezes pintado como um radical, construiu-se muito mais como conciliador. Seu projeto, calcado numa prudência extrema e numa avaliação muito desencantada da correlação de forças no Brasil, é o de uma saída não traumática para a conjuntura aberta com o golpe, reduzindo as tensões e evitando os embates mais diretos.
Essa “recomposição negociada” da institucionalidade anterior ao golpe não é uma saída incontroversa – assim como Lula não é uma figura incontroversa – para a esquerda brasileira. O PT – Partido dos Trabalhadores nasceu em 1980, quando a ditadura militar estava no processo de “abertura” para uma transição política controlada. Liderado pelos sindicalistas do ABCD paulista, responsáveis pelas greves que poucos anos antes haviam simbolizado o renascimento da luta operária no Brasil, entre seus fundadores estavam também dirigentes de outros movimentos sociais, militantes veteranos da esquerda comunista, intelectuais engajados e cristãos progressistas vinculados à Teologia da Libertação e às comunidades de base que a Igreja católica então patrocinava no país. Um grupo heterogêneo, que tinha em comum a aposta em formas mais participativas de fazer política. Para o PT inicial, dar expressão aos movimentos populares era a prioridade, e a disputa eleitoral vinha em segundo plano.
No entanto, o partido foi vítima de seu próprio êxito. Não é fácil participar da disputa eleitoral e do jogo parlamentar sem submeter a eles todo o restante da estratégia política. O governo foi restituído aos civis em 1985, uma Constituição democrática foi promulgada em 1988, e eleições presidenciais diretas foram realizadas no ano seguinte. O PT ampliou suas bancadas parlamentares, conquistou prefeituras municipais, tornou-se um ator importante da política institucional brasileira. Lula chegou ao segundo turno das eleições presidenciais de 1989…
Na Presidência, Lula construiu uma amplíssima base de apoio parlamentar, seguindo o padrão de seus antecessores: o Poder Executivo é um balcão de negócios, que aprova seus projetos no Congresso oferecendo em troca cargos e vantagens. Manteve uma política econômica favorável aos bancos e foi de prudência extrema na implementação de bandeiras históricas do partido, como a reforma agrária. Iniciativas em agendas consideradas sensíveis, como direitos reprodutivos, direitos sexuais ou democratização da mídia, foram revogadas sempre que a grita dos grupos mais conservadores ultrapassou determinado patamar.
O caminho adotado foi abrir mão de tudo para garantir um ponto: o combate à miséria extrema, por meio de políticas de transferência de renda para a população mais pobre, cujo maior emblema foi o programa Bolsa Família. Este, criticado à direita por seu paternalismo (“em vez de dar o peixe, devia ensinar a pescar” e à esquerda por seu caráter meramente compensatório, representou, para dezenas de milhões de pessoas, a diferença entre permanecer ou não em situação de inanição. Esse sentido de urgência, de que a ação política deve encontrar soluções imediatas para os problemas mais prementes das maiorias, fez com que o lulismo adotasse uma feição oposta ao principismo do PT original.
(…) Ao impedir por um ato de força que Lula concorra às eleições de 2018, o que se faz é afirmar que a autoridade política deve se desgarrar de qualquer referência à vontade popular. Foi o que ocorreu, já, com a deposição inconstitucional de uma presidenta e a imposição, sem qualquer esforços significativo de convencimento, de medidas rejeitadas pela ampla maioria dos cidadãos. Não se trata, no entanto, de um passo banal. É um agravamento importante da fratura da democracia brasileira ocorrida em 2016: a realização de uma eleição carente da possibilidade de revestir de legitimidade o governo que dela sairá.
(…) A perseguição a Lula, portanto, não diz respeito apenas ao ex-presidente e ao PT – e, justamente por isso, a defesa de seu direito de concorrer congrega um campo democrático amplo, que ultrapassa o conjunto de seus apoiadores. O veto imposto a ele certamente se aplica a qualquer outra opção política progressista que mostre condições efetivas de vitória eleitoral. Não se deve esquecer também o componente simbólico: independentemente do juízo que se faça sobre as políticas que adotou, Lula é o maior líder popular de nossa história e aparece, no imaginário da política brasileira, como símbolo vivo de que a classe trabalhadora pode chegar ao poder.
Assim como a campanha contra Dilma foi tingida pela misoginia, a perseguição a Lula passa pela mobilização do preconceito de classe. Um componente central da estratégia de desmoralização do ex-presidente é associá-lo a bens e propriedades que são corriqueiros para a classe média, mas não poderiam ter sido obtidos legitimamente por um “trabalhador braçal”. É o reforço às hierarquias sociais, base da agitação política da direita, que tem como um braço o pânico moral gerado pela maior visibilidade das pautas feministas e LGBT e como outro o discurso da “meritocracia” que exalta as desigualdades e condena qualquer tipo de solidariedade com os mais vulneráveis. A ruptura da democracia é acompanhada por um severo recuo nos parâmetros do debate público no Brasil.
Quando o processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff se desencadeou, talvez nem todos os setores políticos, nem os que já gritavam contra o golpe, tivessem consciência clara da natureza do que estava acontecendo. Hoje, já não é possível manter dúvidas. Há uma tentativa de silenciamento absoluto da voz popular na política brasileira. A cassação de Lula é um passo central para a consolidação do retrocesso. A defesa intransigente de seu direito a um julgamento justo e a submeter seu nome ao eleitorado é uma linha divisória que separa democratas de autoritários e coniventes.
LUIS FELIPE MIGUEL em prefácio ao livro publicado pela Boitempo em 2018: “A Verdade Vencerá – O Povo Sabe Por Que Me Condenam”. Pg 16 a 22. Ilustração na entrada do post por Vitor Teixeira.
Lula: “Eu sei que é difícil eles aceitarem que um metalúrgico torneiro mecânico diga que eles estão mentindo. Mas eles estão mentindo. A Polícia Federal mentiu no inquérito, o Ministério Público mentiu na denúncia, e o Moro sabia que não era verdade e aceitou e transformou as mentiras num processo que me condenou… Qual é a única coisa que tenho? Minha dignidade. É o maior valor que eu tenho. Eles querem prender? Prendam, paguem o preço. (…) Não fui eleito para virar o que eles são, eu fui eleito para ser quem eu sou.”
(“A Verdade Vencerá”, Ed. Boitempo, p. 46-47)
GORILAS DE TWITTER vs IMPUNIDADES DE DITADORES
STF SEGUE TRADIÇÕES PÁTRIAS:
BOULOS COMPARA:
O EXÍLIO É UMA SAÍDA?
Porém, nas entrevistas que compõem o livro “A Verdade Vencerá” (Ed. Boitempo), o ex-presidente garante que não irá buscar o exílio e argumenta:
“Olha, eu conheço companheiros que ficaram 15 anos exilados e não tiveram voz aqui dentro, no Brasil. Se eu tivesse cometido um erro, se tivesse cometido um crime, de todos esses de que estou sendo acusado, talvez eu fizesse isso. Como tenho plena consciência da minha inocência, eles vão pagar o preço. Tudo tem um preço. Eu sei que tem muita gente que não gosta de mim, mas não tem ninguém que gosta mais de mim do que eu mesmo. Eu vou brigar aqui dentro. Vou fazer a sociedade brasileira discutir os meus processos aqui dentro.” (pg. 45)
O PT – Partido dos Trabalhadores vem apontando que não irá buscar asilo para Lula em algum país que ainda preze pela democracia – ainda que países como o Uruguai e a Bolívia, dadas as excelentes relações de Lula com o ex-presidente José Mujica e com o atual presidente Evo Morales Ayma, sejam dois dos prováveis destinos para um improvável pedido de asilo da parte de Lula.
A estratégia petista, como sinalizada já em comunicados oficiais, será a mobilização de massas, a convocação para a militância, a conclamação ao povo para que realize “cordões humanos” ao redor de Lula. Desse modo, sua prisão só se concretizaria com um espetáculo de autoritarismo policial-penal que deixaria explícito, para o mundo todo, o estágio avançado do câncer fascista que avança cada vez mais no Brasil, inclusive encabeçado pela aliança golpista.
Como diz Cynara, “o Brasil vive um estado de exceção desde que uma presidenta eleita, Dilma Rousseff, foi arrancada do cargo em 2016 por um golpe parlamentar liderado por um político que se encontra neste momento na cadeia (Eduardo Cunha), auxiliado pela mídia comercial e por magistrados partidários que transformaram a “Justiça cega” em caolha, capaz de enxergar corrupção apenas no PT. Ou todas as acusações feitas ao PSDB, partido sócio de Michel Temer, não seriam sumariamente arquivadas ou prescritas.
Desde 2014 a operação Lava-Jato revirou a vida de Lula pelo avesso. Não encontrou uma só conta bancária no exterior. Nenhuma mala de dinheiro. Nem um mísero telefonema em que fosse flagrado em alguma ação criminosa. Bem ao contrário de seus adversários, que continuam em seus cargos e seus palácios, como se nada tivesse acontecido. Os procuradores que viraram piada com o power point não conseguiram provar que o triplex era de Lula, mas a “Justiça” o condenou por “convicções”. Como concordar com uma arbitrariedade dessas? Como baixar a cabeça e simplesmente acatar a sentença, como quer a presidenta do STF?
A direita brasileira deu provas de sua covardia em relação às urnas, ao julgamento popular, à democracia. Escancarou o medo diante de uma possível vitória de Lula em 2018, que seria a quinta do PT à presidência, cumprindo a vontade do povo e contrariando o consórcio midiático liderado pela Rede Globo. O PT derrotou a Globo quatro vezes com a força do povo. Só restou à emissora golpista patrocinar a prisão de um homem inocente.
O objetivo claro dessa perseguição é destruir, com a prisão de seu líder, o partido de esquerda mais competitivo que o Brasil já conheceu, com reais condições de chegar ao poder ainda hoje. Apesar do massacre, Lula aparece à frente de todas as pesquisas de opinião. Mesmo preso, o ex-presidente seria capaz de influenciar a decisão de milhões de eleitores, daí a dúvida de que as eleições acontecerão de fato. Mas que ninguém se engane: o objetivo maior é esmagar a esquerda inteira. Quem é de esquerda e não se revolta contra essa prisão atenta contra seu próprio futuro.
Rejeitado o habeas corpus, o ex-presidente pode ser preso a qualquer momento. Chegou a hora de Lula marcar posição internacionalmente de que sua condenação é uma condenação política. Como qualquer vítima de perseguição política, e até para garantir sua integridade física, o ex-presidente tem direito a pedir asilo em algum país do mundo que preze por suas instituições democráticas, o que já não é o caso do Brasil.
Vai ser livre, Lula. Você merece.”
Porém, eu diria que Lula não irá buscar asilo no exterior, pois sua prisão, no Brasil, é um fato político que prossegue fazendo dele uma figura-chave no xadrez do golpe e das eleições. Lula preso não é Lula calado. Lula é alguém que não se pode calar senão com a morte – o que compreenderam os fascistas que tentaram assassiná-lo a balas no Paraná. Lula, numa jaula, prosseguiria sendo um Lula capaz de mobilizar as massas. Lula, encarcerado, é uma força política de magnitude imensamente superior a 99% dos políticos que estão soltos. Aureolado com o halo de mártir, de novo Nelson Mandela, de novo Tiradentes, Lula preso dentro do Brasil prosseguirá sendo uma voz que não só será impossível silenciar, mas uma voz que à ação (à revolução?) conclamará.
É a essência do discurso histórico que Lula fez no Circo Voador: referindo-se a todos os seus apoiadores e às dezenas de milhões de eleitores que o colocam em 1º lugar nas intenções de voto para as Eleições de Outubro, ele se dirigiu aos golpistas e ditadores de toga e farda dizendo que o problema deles não é um indivíduo, mas a base que o sustenta: “O problema deles era somente eu, agora são todos vocês.” A pedra no caminho do golpe sempre foi, sempre teve que ser, sempre terá que ser, todos nós, os 99%.
VEMOS O FUTURO A REPETIR O PASSADO:
SEGUE O GALOPE DO GOLPE:
TRANSAS DE GORILAS E TOGAS QUE ASSIM VITOR TEIXEIRA RESUME:
O VENENO AINDA ESTÁ NA MESA…
NA MESA, TAMBÉM A BURRICE:
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MILLÔR ALERTA:
Publicado em: 05/04/18
De autoria: casadevidro247
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